Sampaleo




Ficção vs. Realidade
Eu, como muitos de vocês, conheci e me interessei pela Paleontologia através da ficção.
Eu ainda era uma criança quando assisti pela primeira vez o filme Jurassic Park e pensei: "nossa, isso é muito legal". Pronto. Foi o que precisava para eu me apaixonar pela Paleontologia.
Ainda que uma bela ferramenta de divulgação, é necessário compreender que a ficção nem sempre (para não dizer que muito raramente) condiz com a realidade da Paleontologia, dos seres que ela abrange e do trabalho de um paleontólogo propriamente dito.
Para ilustrar essa diferença, vamos tomar o filme Jurassic Park como exemplo.
Um dos destaques do filme (e do livro de mesmo nome, escrito por Michael Crichton) são os ferozes Velociraptors. Na obra, este dinossauro é representado como sendo um grande predator com feições e pele que lembram um lagarto e com cerca de 2 metros de altura. Mas na realidade...

Velociraptor como visto nos filmes da franquia Jurassic Park (Fonte)


Réplica de Velociraptor mongoliensis atualmente exposta no Museu de Zoologia da Unversidade de São paulo
O que devemos entender primeiro, é que o cinema, literatura e outras formas de entretenimento possuem uma certa liberdade artistica. Ou seja, podem modificar fatos com o objetivo de tornar a obra mais atraente ao público, muitas vezes utilizando da desculpa de serem obras de ficção. Portanto, ao mesmo tempo que não se pode julgar o filme pela forma que exibe oas animais, deve-se entender que em relação a muitos fatos, ele se distancia bastante da realidade.
Em relação ao Velociraptor, o que vemos na realidade é muito diferente. Ainda que certo em muitos aspectos, como o fato de serem predadores velozes e ferozes, os velociraptores apresentados em Jurassic Park possuem alguns traços inverídicos. O principal e mais notável é em relação a seu tamanho.
Em algumas cenas do filme, podemos ver o ator Sam Neil (intérprete do paleontólogo Alan Grant) ao lado de alguns velociraptores. Nelas, podemos notar que os animais aparecem mais altos que o ator. Considerando que Neil mede cerca de 1,80 metros de altura, podemos então estipular que os animais devem medir pelo menos 2 metros de altura no filme, mais que o triplo de sua altura real, que era de cerca de 60 centímetros.

O paleontólogo Alan Grant, interpretado por Sam Neil, em comparação com os velociraptores da franquia em cena de Jurassic Park III (Fonte)
Outra discrepância entre o filme e a realidade é o fato de hoje termos fortes indícios de que os velociraptores na verdade possuiam penas. Características que remetem à presença de penas e até mesmo presença de estuturas que se assemelham às das aves que possuem penas de vôo já puderam ser observadas em alguns fósseis (embora acredite-se,pela sua fisiologia e porte, que estes animais, na verdade, não possuissem a habilidade de voar).
Embora a maioria destas descobertas ainda não tivessem sido feitas na época em que foi lançado o primeiro filme (1993) ou escrito o livro (1989), e considerando também que esta não era uma teoria fortemente discutida, podemos ''desculpar'' o fato dos velociraptores do primeiro filme não apresentarem tais estruturas. O erro se dá no fato de que a ausência das penas continua presente nos seguintes filmes da franquia (até mesmo no mais recente Jurassic World), sendo que apenas Jurassic Park III apresenta uma alusão à tal aspecto com uma pequena plumagem no topo da cabeça de alguns espécimes (como visto na foto acima).
O último grave erro em relação aos velociraptores se dá na questão de seu comportamento. Ainda que representados sempre como animais de alta inteligência e caçadores de bando (podendo até mesmo reconhecer outro ser como seu alpha, e manter uma relação baseada em respeito como mostrado em Jurassic World), tais informações não são um fato científico, uma vez que é muito difícil estipular traços de comportamento e caça a partir de descobertas fósseis. Dessa forma, não se pode afirmar com certeza qual seria o comportamento destes animais, nem em relação à caça, nem em relação com seu grupo.

Icônica cena de Jurassic World entre o personagem Owen Grady (interpretado por Chris Pratt) e os velociraptores Delta, Blue e Charlie. (Fonte)
Alguns erros cometidos com os velociraptores são repetidos com outros animais ao longo da franquia. Um dos maiores e mais recentes tem como protagonista o mosassauro, monstro marinho de destaque do ultimo filme, Jurassic World.
Enquanto o maior exemplar de mosassauro encontrado possuia 17 metros de comprimento, estima-se que o exibido em Jurassic World chegasse a incríveis 36 metros de comprimento; mais uma vez, o dobro do animal real.
Outros aspectos da franquia, como o fato do Tiranossauro ter uma visão baseada em movimento e seus instintos maternos também não se baseiam em descobertas científicas e contrastam com os estudos realizados por profissionais que trabalham com tais animais. Por possuir olhos nas laterais da cabeça (a chamada visão binocular), o tiranossauro deveria possuir, na verdade, uma ótima visão com excelentes noções de profundidade, ao contrário do que é descrito por Alan Grant no filme.

Tyrannosaurus rex em cena de Jurassic Park onde é indicada visão baseada em movimento (Fonte)

Mosassauro como é visto em Jurassic World (Fonte)
Muitos de vocês podem estar se perguntando neste momento: ''então quer dizer que os filmes são errados e tem o intuito de passar esta imagem errônea dos animais ao público?''
Não.
Como dito antes, o cinema e principalmente as obras de ficção possuem uma certa liberdade artística que lhes permite modificar os fatos e organismos para melhor se encaixar à história que desejam contar. No caso específico da franquia Jurassic Park, a própria obra explica as diferenças vistas nos filmes e livros: como disse o cientista Henry Wu em Jurassic World, todos os animais criados por sua equipe são híbridos. Ou seja, partes de informações genéticas de outros organismos foram inseridos para preencher as falhas nas lacunas de DNA dos dinossauros, pterossauros, mosassauros e outros animais criados no parque. Isso, ainda que não justifique todas as diferenças, explica porque estes animais são tão diferentes daqueles que possem ser observados pelos registros fósseis.

